Wednesday 11 April 2012


Siga a estrada de tijolos amarelos...


Em uma das mais famosas cenas do Mágico de Oz, Dorothy juntamente com seus amigos pergunta como ela consegue achar o caminho para encontrar-se com o tão famoso mágico. Neste momento ela é instruída para seguir a estrada de tijolos amarelos, e que no final, ela encontrará o tão esperado mágico que irá lhe conceder a realização não só do seu desejo, mas de todos os seus amigos. O filme por si só é uma estória de coragem e autoconhecimento, e serve perfeitamente para que eu possa traçar a analogia que tenho em minha mente.

Eu atravessei as três primeiras décadas da minha vida, ouvindo as pessoas mais idosas, portanto mais sabias à minha volta dizendo-me que toda pessoa, por mais danos que tenha feito, merece uma segunda chance na vida, que não importa o quanto fomos magoados por alguém ou uma situação e mesmo o quanto você veio a sofrer em decorrência destes atos alheios. Isso colocado assim chega a ser injusto, e eu já posso ver a cara de alguns torcendo e os olhos se revirando. Bom, deixe a revolta e o “sentimento de vingança“ de lado por um momento e pense, mas pense com o coração. Com certeza a pessoa que te magoou teve as suas razões para fazer o que fez, e necessariamente, como tudo na vida, tem explicação.

Outra verdade inegável no mundo é que, infelizmente, tudo nessa vida tem explicação, não é verdade? Se você parar para pensar, mesmo um estuprador, ou um assassino consegue explicar as razões que o levaram a cometer os seus atos. Isso não quer dizer que você concorde com elas, mas que todo mundo é capaz de explicar seus atos... É uma verdade!  Mesmo que você fique com “cara de pombo“ na frente da pessoa escutando a ladainha entrar pelos seus ouvidos e não atingir o cérebro. E quero deixar claro aqui que eu não acho que somos obrigados a perdoar ninguém simplesmente pelo ato d perdoar, se bem que os religiosos de plantão preguem o contrario, e eu mesmo já aqui disse muitas vezes que sou espirita, mas não sou palhaço, portanto não abuse da minha boa vontade. O exercício aqui é escutar, apenas ouvir as explicações, para depois tomar uma decisão, e se o perdão brotar, ele vai ser genuíno e não algo que venha da “boca para fora“.

Dizem que o tempo é o melhor remédio que existe para curar mágoas. Eu particularmente, não concordo com isso. Acredito que o tempo tira o foco da mágoa, mas o fato acontecido estará sempre lá, e todas as vezes que nos lembramos da situação, revivemos as emoções. Isso é um processo que acontece com todos nós, de tempos em tempos focamos nossa consciência nas figuras do passado, e aqui, acontece algo interessante. Na maior parte das vezes, a dor ou a mágoa já não tem o mesmo peso que outrora teve, conseguimos rever fatos, até então consumados e julgados, à luz de outra teoria, e às vezes dúvidas surgem, se tomamos a atitude correta, ou melhor, se a dose do remédio foi mesmo na medida certa. Aqui surge as minhas perguntas, qual é a razão pela qual continuamos a negar o perdão, se a dor já não é mais a mesma? Porque é isso que a sociedade espera de nós? Vivemos em um mundo em que perdoar e sinônimo de fraqueza? Devemos mesmo dar uma segunda chance para aqueles que nos fizeram sofrer, ou que traíram nossa confiança? O perdão é algo que realmente nos liberta e faz com que prossigamos nossa caminhada de uma forma mais leve?

Sempre achei que eu sou, ou que pelo menos eu era, uma pessoa com a capacidade de perdoar muito pequena. Digo mais, sempre acreditei que sou uma pessoa extremamente orgulhosa e que como tal, pedir perdão era coisa para os fracos. Que as pessoas comigo sempre só teriam uma chance. Olhando para meu passado, vejo que na maior parte das vezes eu sempre fui o tipo de individuo que preferia “deixar” uma situação do jeito que ela era do que enfrentá-la de forma adulta. Hoje, sei que era por pura falta de maturidade, nunca por falta de princípios, mais ainda, talvez por medo. E por falar em medo, eu não tenho receio nenhum ou mesmo vergonha de admitir isso publicamente nessa altura da minha vida. As pessoas que me conhecem sabem que possuo vários exemplos de situações em meu passado onde eu reagi de forma a tomar o caminho mais curto. Tomando decisões precipitadas, rotulando pessoas, e agindo como se eu estivesse em um tribunal americano, onde pessoas são condenadas pelo simples fato de dizer sim ou não. Analisar as opções com calma e ponderação não eram as minhas melhores qualidades durante os primeiros vinte e cinco anos da minha vida. Meu irmão mais velho possui um chavão que diz “Vamos deixar do jeito que está para ver como é que fica”, ou seja, a atitude era de não enfrentar, deixar o problema de lado, e claro com isso deixando pessoas também ao longo do caminho. Sempre foi mais fácil eliminar essas pessoas da minha vida do que questionar internalizações arraigadas no seio da minha personalidade. O exercício de não pensar no assunto, aliviava de certa forma, como se assim os fatos pudessem desparecer não gerando conflito ou ansiedade.

Uma das coisas boas da idade é a capacidade de discernimento, verdade seja dita que muitas pessoas não chegam nunca lá, mas eu prefiro me focar no lado positivo da humanidade aqui e falar apenas daqueles que evoluem, não estou com paciência para dissertar a respeito dos preguiçosos de plantão. Enfim, nos últimos tempos eu tive a oportunidade de reencontrar pessoas, as quais eu havia trancado em meu passado para sempre. Sabe aquelas pessoas que do nada passam pelo seu pensamento, mas que imediatamente você associa com um fato ruim e automaticamente nós varremos da nossa consciência? Pois é, assim eu seguia, acreditando que essas pessoas nada mais eram do que marcos de quilômetros ao longo da minha estrada, que ao longo do tempo, por minha culpa, não lhes foram dada permissão para fazerem parte do meu presente e consequentemente nunca existiriam no meu futuro.  Acontecimentos específicos não são necessários aqui, mas falar das possibilidades que estamos aniquilando ao não nos permitir sequer reavaliar acontecimentos, estas sim eu preciso falar sobre.

Tenho tentado reparar danos causados, e baseado nisso tenho me permitido estar em contato com pessoas do meu passado, que para minha imensa surpresa, foram experiências muito agradáveis. Eu achava que iríamos falar de fatos específicos do nosso passado. Ironicamente, não falamos de coisas passadas, ou pelo menos não dos acontecimentos que nos levaram a trilhar caminhos distintos na vida, falamos sim de coisas agradáveis, rimos de momentos que ficaram lá atrás, lembranças de um tempo em que acreditávamos em coisas que hoje sabemos eram apenas sonhos de adultos jovens e frutos de nossas próprias inexperiências. No final, acabamos por fazer planos de nos ver novamente em um futuro próximo. Voltei para casa com a alma mais aliviada por finalmente ter tido a oportunidade de rever meus conceitos e pré-conceitos com o discernimento que possuo hoje.

O que aconteceu, ficou no passado, já não tem mais importância, lições foram aprendidas, e embora eu saiba que nunca mais as relações serão as mesmas, ainda existe a possibilidade não de reconstruir, mas de construir novamente, e a razão pela qual continuamos a negar o perdão, mesmo quando a dor já não é mais a mesma é devido ao fato de que é exatamente isso que a sociedade espera de nós. Não podemos ser fracos, somente pessoas inferiores perdoam um inimigo ou alguém que lhe causou dor.

Nós não temos a obrigação de conceder segundas chances para aqueles que nos fizeram sofrer, ou que traíram nossa confiança, ou mesmo a obrigação de perdoar alguém se não sentimos que isso é o correto a ser feito, mas temos sim, a obrigação de dar o peso real aos fatos acontecidos em nossa vida, e o perdão é sim algo que realmente nos liberta e faz com que prossigamos nossa caminhada de uma forma mais leve. Mais ainda, eu acredito que as pessoas mudam com a idade, bem verdade que algumas mudam para pior, mas no geral, elas tornam-se mais amenas uma vez que a própria vida ensina muitas coisas, boas e ruins, e que devemos sim, exercitar a bondade em nossos corações, nos permitir ver as pessoas como elas são, com suas qualidades, defeitos e deficiências. Devemos nos esforçar para perceber os esforços das pessoas para conosco, se assim fizéssemos, talvez o mundo e as relações humanas fosse mais fáceis e consequentemente teríamos pessoas mais felizes.

Desejo uma semana com muita luz para você, com discernimento para usar a balança da vida e dar o peso adequado a cada fato que carregamos sobre nossos ombros. Você vai perceber que a estrada de tijolos amarelos nem é tão sinuosa ou cheia de perigos como parece, e que existe um mágico em algum lugar depois do arco-íris.

Laureano Marques

Monday 2 April 2012

A Neurose nossa de cada dia


A Neurose nossa de cada dia


Meu telefone celular toca por vota de 06h30min da manhã, resmungo, amaldiçoou céus e terra, tento-me sabotar, mas acabo por levantar. Lembro-me do meu update no Facebook ontem à noite: “Se Frodo consegue levar o anel ate Mordor, você também consegue sair da cama”. Sorrio e levanto-me.

Mais uma semana começa acima do paralelo 51° Norte. Se bem que essa semana é mais curta, apenas quatro dias, afinal a Páscoa está a caminho e com isso alguns dias de descanso. Durante os próximos quarenta minutos sigo como um autômato pela casa eu vou de um cômodo para outro. Saio porta fora e logo estou dentro do trem a caminho de Londres.

Não posso deixar de notar as pessoas a minha volta, companheiros de luta e viagem que provavelmente enfrentaram as mesmas batalhas pessoais que enfrentei ao acordar. Muitos desses rostos são familiares, apesar de não nos falarmos ou mesmo nos cumprimentarmos, eles são pessoas que fazem parte da minha rotina. São seres que seguem seus caminhos, e que assim como eu, estão em busca de algo. Provavelmente eles estão à espera que seus sonhos e projetos se concretizem dentro dos prazos marcados, que aqueles dias de férias vão chegar logo, que o chefe vai finalmente parar de atrapalhar e dar um desconto, enfim... Espera sempre a espera.

Eu mesclo-me ao ambiente, e sigo a corrente de pessoas que estão ouvindo musica em seus telefones, ipads ou computadores. O tempo passa e completamente absortos em nossos próprios mundos, o trem chega a Saint Pancras International Station trinta e cinco minutos mais tarde. De lá entro em uma carruagem da Picadilly line, que miraculosamente não esta lotada, e mais uma vez me pego a analisar a imensidão de rostos a minha volta. Penso a respeito dos pontos vulneráveis das pessoas a minha volta, claro que esse processo é completamente mental, pois em uma cidade como Londres, não existe conversa em transporte público, as pessoas não se relacionam nesses ambientes, apenas se olham, e quando os olhares se cruzam os olhos mudam de direção, afinal não queremos dar a impressão e que estamos invadindo a vida alheia. Existem regras, que são entendidas sem a necessidade de explicação verbal. Mesmo sendo afetados pelo mundo dos outros a nossa volta, a nossa essência está conectada, enraizada ao nosso próprio mundo... Estação após estação, e após uma mudança de linha em Leicester Square, a vida segue e vinte minutos depois chego ao trabalho.

Da janela do vigésimo primeiro andar, eu vejo Londres se descortinando a minha frente. O sol brilha em uma típica manhã de primavera. Mesmo através das janelas de vidro duplo e da altura, eu consigo ouvir os barulhos que veem da rua.  A cidade esta viva. Sinto minha mente divagar enquanto pressiono o botão on do meu computador. Se somos constantemente afetados pelo meio, incluindo as pessoas o tempo todo, mesmo não tendo uma relação verbal com elas, se afetamos as pessoas a nossa volta da mesma forma, porque é tão complicado em darmos o real significado para essas relações? Ou pior, nós nem sequer percebemos quando estamos em contato com o meio?

Acredito que nos somos uma totalidade e que nosso funcionamento básico gira em torno da nossa auto regulação organísmica. Nós somos um sistema em equilíbrio onde trocamos tudo que precisamos com o meio que nos cerca, portanto, estamos em contato com um mundo circundante e que constantemente realiza trocas com o meio, ou seja, fazemos contato para satisfazer nossas necessidades dominantes e emergentes. O contato possui um funcionamento cíclico, que parte do contato à retração.

Aqui, abro um espaço para citar a teoria de J. Zinker (1979), o qual define o ciclo do contato da seguinte forma:


  • Awareness
  • (sensação): é o surgimento de impressões vagas, inquietude, que logo começa a se dar conta, passa a ter consciência. Geralmente e aquela situação onde sabemos que não estamos bem, que algo esta fora do lugar, mas que não sabemos exatamente o que e. Se a awareness se dá por completo, então somos capazes de identificar a nossa necessidade dominante naquele momento.
  • Energização/Ação: E o momento que a “ficha caiu”, sabemos que algo deve ser feito, e consequentemente nosso organismo convida seus músculos para a ação, há uma sensação crescente de energia, a awareness passa a ser organizada em prol de sua satisfação.
  • Contato: É nesse momento que se entra em contato com o que satisfará a necessidade, é o momento do encontro com a diferença (eu e não-eu), a transformação se dá, as figuras emergem de forma nítida. Aquilo que estava no subconsciente (fundo) vem à tona e se transformam em claras “figuras”.
  • Retirada / Conclusão: A necessidade foi satisfeita e o organismo se retira, neste momento há a resolução e o alívio, a energia começa a se retrair.
  • Retraimento: Aqui há o fechamento da Gestalt, a energia se retrai totalmente, têm-se a sensação de dever cumprido.


Mas o que isso tem haver com o tema desse texto: Já chegarei lá... O ciclo descrito anteriormente é conhecido como ciclo gestáltico, e reflete o funcionamento saudável do organismo. Durante este ciclo podem ocorrer interrupções e a energia pode ficar estagnada ou ser prolongada. Logo começam a surgir os distúrbios do contato, ou neuroses.

Quem já saiu da adolescência, sabe que nem sempre a vida segue os contos de fada, e à medida que a carroça avança, as melancias vão se ajeitando, e com o ajeitar das melancias ou com o balançar da carroça, a neurose surge! Às vezes sentimos que estamos em uma encruzilhada, nada parece bom, nada nos traz satisfação, geralmente isso acontece em momentos que não mais conseguimos identificar as necessidades dominantes e o nosso organismo, mesmo assim tenta restabelecer o equilíbrio perdido, dai advém os conflitos.

Para quem me conhece, sabe que minha formação principal é em Psicologia, mais ainda, em Gestalt Terapia, e devido a este fato, aqui eu uso o conceito da Gestalt para explicar meu pensamento. Caso você se sinta mais confortável, fique a vontade para usar o conceito de insight. O certo é que, qualquer que seja o termo, os assuntos não resolvidos ficam pendentes e o equilíbrio fica prejudicado, os sintomas neuróticos surgem como uma tentativa de reorganizar e assimilar as gestalts abertas, ou não satisfeitas. E vamos ser sinceros, todos nós sabemos exatamente o que é não ter nossas necessidades satisfeitas e toda a energia estagnada que advém desses fatos.

Vários autores, os quais eu estudei ao longo de minha vida acadêmica, descreveram o processo de formação e estabelecimento das neuroses. Freud possui especifico pensamentos e explicações, o behaviorismo, também, assim como o existencialismo. Para mim, um existencialista por convicção, eu acredito que o neurótico está continuamente interrompendo o processo de formação e de eliminação de percepções, não percebendo claramente quais e como são suas necessidades e suas emoções, e essa forma de agir o faz perder a oportunidade de completar suas gestalts e, portanto, satisfazer suas necessidades. Por sua vez, isto cria um contínuo estado de insatisfação, levando o neurótico a não pegar do ambiente aquilo de que ele precisa para manter seu equilíbrio e uma sobrevivência sadia, e muito menos contribui para dar ao ambiente aquilo que dele reclama e que serviria para conformá-lo de alguma forma. E um jogo vicioso, chega mesmo às raias da dependência e do vício, nos casos mais patológicos.

Para que nós possamos satisfazer as nossas necessidades é necessário que tenhamos a consciência das necessidades que surgem à medida que vamos fazendo escolhas ao longo da vida. E venhamos e convenhamos fazer escolhas acertadas, é um processo nada fácil e como resultado, o neurótico é um indivíduo repleto de interrupções, que interrompe a si mesmo no processo de satisfação das próprias necessidades, talvez por não conseguir fazer escolhas acertadas. Lembre-se que mesmo não escolhendo uma ou outra opção, acaba por ser uma escolha também, afinal de contas ficar em cima do muro também é uma escolha.

O indivíduo neurótico é antes de tudo fóbico, ele tem medo da dor e da frustração. Eles interrompem a si mesmos no processo de crescimento, as gestalts não resolvidas se acumulam e o protegem de estabelecer novos contatos com o mundo e as pessoas. Eles costumam estarem confusos quanto ao que sentem ou ao que fazem, não reconhecem quais são as suas reais necessidades, resultando em um autoconceito e uma autoestima frágil, e para sustentarem-se buscam constantemente apoio externo no ambiente, utilizando-se de manipulações e defesas estereotipadas para atingirem sua satisfação. Falta ao neurótico à assimilação das questões mal resolvidas, consequentemente o indivíduo passa a ser cheio de pontos cegos.

A espécie humana é a única capaz de existir. Existência, que pode ser traduzida pela capacidade de pôr para fora, projetar-se. Essa capacidade é caracteristicamente humana, só o ser humano transcende toda barreira, enquanto, outros seres seguem sua programação biológica, o homem se faz homem, se constrói com base na cultura, na história, e na sua própria individualidade, ou seja, é um ser biopsicossocial.
O homem passa a ter objetivos, sua condição de existência passa a ser o seu potencial, este então passa a dar sentido para si e sua trajetória. É o único ser que vive num constante vir-a-ser. Tudo que este é ainda estar por se fazer. O homem é por si só uma obra inacabada, tendo seu projeto, chame destino se lhe fica mais cômodo de entender, em suas próprias mãos. Antes de tudo, existência é possibilidade de se projetar, se construir.


Durante nossa trajetória, nos passamos por um meio social massacrante, devastador, cruel, que destrói e corrompe nossas potencialidades genuínas. Somente as crianças são puras, lembra-se deste dito popular? O caminho da existência humana é áspero e cheio de pedras, e para muitos a existência perde seu maior significado, perde-se o sentido, a nossa realização passa a estar cada vez mais distante. Algumas pessoas, sem sentido de vida são incapazes de viver plenamente. Na existência humana, mergulhar nas trevas faz parte da caminhada, no entanto, para sair das trevas é preciso encontrar o verdadeiro sentido de vida. Diante da nossa capacidade de auto realização, mesmo no deserto, a mais bela flor consegue florescer.


Uma boa Páscoa para todos nós, e que possamos usar o conceito desta celebração para de alguma forma renascer, entender como fazemos contatos, não só conosco, mas com o meio que nos cerca para assim podermos nos libertar da energia estagnada, e assim evitar que neuroses evolvam para um grau mais elevado. Desejo que muitas flores floresçam em vossos jardins.


Laureano Marques



Friday 23 March 2012

A mousse de maracujá


Talvez pela forma como eu tenha sido criado e também devido aos valores passados pelos meus pais, leia-se minha mãe, os quais influenciaram a formação da minha personalidade, eu hoje tenho a tendência de simplesmente “aceitar” as coisas como elas são, adaptando-me a elas da melhor forma possível, ao mesmo tempo em que eu vou gerenciando os conflitos que surgem. Discussões filosóficas profundas me cansam, de alguma forma lembra-me minhas aulas de filosofia durante meus tempos de universidade; experiências não muito agradáveis, pois as aulas aconteciam aos sábados pela manha, e meu professor era um inútil que não entendia nada de filosofia, muito menos de vida, pior, ele parecia que tinha uma batata quente na boca, e metade da classe não conseguia entender uma palavra do que ele dizia. Enfim, como um psicólogo, anos se passaram e Filosofia e Sociologia são cadeiras importantes, e esforcei-me para entender o impacto das grandes teorias no ser humano, e por sorte tive outros excelentes professores ao longo do curso.

Não sou, e provavelmente jamais serei o tipo de pessoa que precisa entender o significado da vida, e sou feliz assim. Eu não sou uma pessoa que fala muito. Já fui, mas hoje grande parte do meu processo de percepção do ambiente a minha volta, acontece em um nível privado, e claro, na maior parte das vezes eu passo a impressão de que eu não me importo. Isso não quer dizer que eu simplesmente aceito tudo sem argumentar, ou mesmo tentar ver o outro lado da moeda e as possíveis alternativas, que a meu ver, sempre existem. Sou o tipo de pessoa que precisa de tempo para pensar, como um bom taurino, analisar os fatos, e por isso durante uma discussão, eu acabe por ouvir mais do que falar. Graças a este meu comportamento, já fui chamado de passivo agressivo, introvertido, pessoa difícil, enfim, um monte de adjetivos. Sei que isso é visto como uma “deficiência” minha por algumas pessoas, e também sei que eu sou responsável pela forma como os outros me enxergam, e confesso que até já tentei ser mais questionador durante certas discussões, mas simplesmente, não sou eu. O que é interessante, pois no meu trabalho eu sou conhecido por ser uma pessoa extremamente questionadora, até porque eu não posso deixar dúvidas a respeito de uma funcionalidade em um sistema ou uma aplicação, enfim, talvez eu precise de mais terapia para conseguir transpor esse comportamento para o campo pessoal.

Sei e acredito piamente que as pessoas são diferentes, e quero deixar claro que não tenho nada contra pessoas que são questionadoras por natureza, curiosas e que se esforçam para exercitarem essa nuance em suas personalidades. Como eu disse, e sendo honesto, eu até as invejo, eu só não tenho a energia mental para investir. Em minha opinião, discussão, na maior parte das vezes chega a um ponto onde não sabemos mais o que estava sendo discutido em um primeiro momento, fatos e informações são trazidos para o meio da conversa e de repente o foco se perdeu, e a conversa e discussão continuam. Conformista? Talvez eu seja, mas o certo é que não existe receita de bolo para se viver ou se comportar, e olha que até receitas que são testadas vezes sem conta corre um risco imenso de não dar certo quando a preparamos pela primeira vez, portanto, eu sigo minha vida, criando a minha própria receita, e tá tudo bem, tá tudo ótimo!

Eu tenho tentado preparar uma mousse de maracujá ha mais de dois meses, receita de minha mãe, que fica sempre uma delícia, quando ela faz é claro. Vocês conhecem receita mais simples do que mousse de maracujá? Não existe não é mesmo? Talvez mingau de maisena! Pois é, o certo é que mesmo sendo uma das coisas mais simples do mundo, todas às vezes que eu tento, a coisa dá para o torto! Às vezes não endurece, outras vezes vira glacê, enfim... A merda da mousse insiste em não ficar do jeito que eu, e metade da humanidade esta a espera! Mas eu sempre acabo comendo do mesmo jeito, afinal de contas, o gosto é sempre muito bom, e leite condensado misturado com creme de leite não pode ir para o lixo jamais! 

Viver é uma eterna aula de culinária, e analogicamente, acredito que temos que continuar tentando, avaliando, medindo os ingredientes e testando os resultados para tentar identificar o que deu errado, e mesmo que você não coma tudo no final, sempre tem algo que pode ser aproveitado. O certo é que durante este processo vamos percebendo o que é melhor para nós e percebendo como nos movimentamos através dos meandros da vida, e vamos criando/adaptando a nossa própria receita. Aqui, abro um parêntese, pois não estou falando de receita de felicidade. Fala sério gente?! Assim, eu estou cansado dessa ladainha de receita de felicidade, essas que vem e vão em apresentações de Power point na internet, com musiquinha de fundo e palavras do Dalai Lama, que pregam que temos que fazer isso, que temos de fazer aquilo, bla, bla, bla... Ninguém merece! O pior e que as pessoas, incluindo eu, lê aquilo, e acha que é super fácil ser feliz, e por ser tão fácil, temos a obrigação de sermos felizes o tempo todo, vinte e quatro horas por dia, o ano todo! E muita responsabilidade nos ombros.

Outra coisa, hoje em dia parece que foi oficializado através de decreto que não podemos estar tristes. Se você está triste, ou passando por uma depressão, elaborando um luto, ou seja, lá o que for você tem que ser forte. Não pode chorar, não pode deixar as pessoas te verem passando por isso e mostrar se fraco então... Nem pensar! Espera ai! Que merda é essa? Simplesmente porque as pessoas esperam que você seja forte? Foda-se com esse conceito, cada um vive a dor da separação, da morte, da perda de forma individual, e se você estiver a fim de chegar a casa, se enfiar no quarto, ouvir Maria Bethânia e beber uma garrafa de cachaça, beba! Uma hora as lágrimas vão secar, a cachaça vai acabar e o CD da Bethânia vai terminar! Portanto qual é o problema? Só não se esqueça de não pressionar o repeat, sim porque Bethânia por mais de 60 minutos... Ninguém merece!

Ninguém é feliz o tempo todo, isso é um fato, e felicidade assim como tristeza, é um momento, não uma constante, porque se assim fosse, seria uma doença, pende-se para um lado e você é depressivo, vira para o outro, e não passa de um maníaco. O importante é mantermos um estado de disponibilidade e alerta para os momentos felizes, e assim, estarmos mais atentos aos fatos que pode nos proporcionar momentos agradáveis, desde que você tenha uma boa ideia do que te faz feliz, evitando assim os momentos tristes.

Durante uma das minhas sessões com a minha terapeuta, ela me desafiou a descrever brevemente o que me fazia feliz, assim na lata! Eu todo senhor de mim, pensei comigo, isso é fácil, certo? Errado! Depois de pensar um pouco, engasgar uma ou duas vezes e ter que lidar com o sorriso de vitória na cara dela, eu dei a mão a palmatoria. A verdade é que não consegui enumerar de uma forma clara e simples o que me faz feliz hoje em dia. Tudo que eu descrevi são conceitos que foram “instigados” em minha mente pelo meio, e quando eu os coloquei em cheque, percebi que eles não possuíam o peso que achei que eles tinham.
Será que o conceito de felicidade está tão banalizado nos dias de hoje, que nem sequer podemos articular mais o que realmente nos alegra o coração? Será que fomos contaminados pelos filmes americanos e novelas globais? Será que associamos a felicidade com posse material?

Como bom analisando, fui para casa e comecei a fazer a tarefa de casa. Fiz listinha, física e mental do que poderia me trazer felicidade e depois de muito pensar, cheguei à conclusão de que não sou capaz de responder a essa pergunta na altura. Foi preciso dedicar mais tempo pensando e analisando este tópico. Assim sendo, comecei a rever fotografias, e como Vanuza um dia cantou “Revirei minhas gavetas e parei de sofrer por coisas pequeninas, deixei de ser...”, bom deixa assim, vocês sabem o resto da letra! Confesso que senti certo alivio em confirmar ainda ser capaz de sentir-me feliz ao relembrar momentos onde estive com pessoas amadas e queridas viajando pelo mundo, e que o ódio ou desinteresse não tomou conta de minha alma. Então viajar e estar com pessoas que amo é o que me faz feliz? Não, mas são situações que me proporcionam momentos de felicidade com certeza.

Larguei as fotografias e comecei a rever as varias relações que tive ao longo da minha vida, percebi que em cada uma delas, tudo começou com esperança, vontade de acertar, paixão, amor, carinho e promessas de eternidade, que ainda hoje me traz boas recordações quando os “fundos” transformam-se em “figuras”.  Claro que houve momentos tristes, mas também muita coisa boa. Mas então porque elas terminaram, porque os momentos de felicidade não foram suficientes para mantê-las?

Amor e felicidade somente não mantém uma relação e tudo nessa vida tem um ciclo, inicio, meio e fim, e eu jamais poderíamos ter a presunção de sentar aqui e descrever todas as razões que levaram ao término das minhas relações, até porque eu não sei exatamente o que aconteceu ao certo. O que eu sei é que dentre as várias razões está o fato de eu ter depositado, em algumas ocasiões, uma grande responsabilidade nos ombros da outra pessoa. Já explico, eu achei que a outra pessoa tinha a obrigação de fazer-me feliz. Mais ainda, eu aceitei a responsabilidade de fazer a outra pessoa feliz a qualquer custo, mesmo que isso significasse passar por cima dos meus sentimentos e desejos, e assim fiz sem mesmo ter sido requisitado. De uma forma, quero acreditar que inconsciente, era como se eu estivesse postulando “Eu te amo! Você me ama, portanto você tem obrigação de fazer-me feliz e vice versa, portanto temos que fazer com que isso funcione a qualquer custo”. Isso é ridículo, pois ninguém é responsável pela nossa felicidade a não sermos nós mesmos, e para falar a verdade ninguém deveria aceitar esse desafio. Fazer-nos felizes já é um desafio imenso, imagine o que é carregar essa responsabilidade sobre os seus ombros também.  Eu não quero isso para mim, e não desejo o mesmo a ninguém, pois o resultado disso tudo, é muita angústia, ansiedade e decepção.

Por essa altura da vida, já é suposto sabermos por experiência que tudo na vida é tênue, acontecimentos mudam nossas trajetórias de forma inesperada, e como diz uma grande amiga: “Merdas acontecem!”. Pessoas que amamos deixam de sentir amor ou admiração por nós, assim como também deixamos de amar pessoas que nos amam, isso por si só é assunto para muitos textos. Amigos, amantes e parentes “sobem no telhado”; e não importa o quão cuidadoso e correto você é, você vai sofrer e causar dor e desapontamento aos outros ao longo do caminho.  Sinceramente acho que quando a sensação de abandono e infelicidade lhe afligir e você sentir que é quase insuportável continuar a viver, repensem seus conceitos em relação a sua própria postura na vida. O que aconteceu para você chegar ao ponto que chegou? Quais foram as suas contribuições? Existe algo que você possa aprender com isso tudo? Você é uma daquelas pessoas que coloca sua felicidade nas mãos de outra pessoa? Outra coisa, às vezes as pessoas desistem de nós, não porque elas não se importam conosco, mas porque nós não nos importamos conosco. Claro que às vezes elas fazem isso simplesmente por que são egoístas.

Ser fiel aos meus princípios, respeitar as pessoas que estão a minha volta pelo que elas são capazes de atingir e oferecer; ser integro comigo mesmo, respeitar os meus limites físicos e emocionais, olhar para mim com serenidade e compaixão em relação aos atos cometidos e escolhas feitas, esses e outros, são em minha opinião indicadores do que pode me trazer momentos felizes. Continuo fazendo o dever de casa, tentando descobrir o que realmente me faz feliz, provavelmente terei surpresas pelo caminho e serei obrigado a rever conceitos ao longo do caminho, mas de uma coisa tenho mais e mais certeza, eu preciso estar em sintonia comigo mesmo, e consequentemente estarei mais atento às oportunidades a minha volta que poderão me trazer momentos felizes, e acredite-me eles acontecem o tempo todo.
Bom, amanhã vou tentar preparar a mousse de maracujá de novo, quem sabe dessa vez eu acerto.

Uma boa tarde e sucesso com as suas receitas na vida

Laureano